A reforma tributária e a contabilidade.

A chegada da CBS e do IBS inaugura uma mudança estrutural na forma de apresentar e interpretar as demonstrações financeiras no Brasil. O que antes era essencialmente “por dentro” — com ICMS, ISS, PIS e Cofins destacados como deduções da receita bruta na DRE — migra para um modelo em que os novos tributos são reconhecidos no passivo, sem transitar pelo resultado. Essa reclassificação altera a leitura do desempenho e reposiciona métricas clássicas, exigindo cautela na comparação entre períodos e entre empresas ao longo da transição.

Na linha de receita, a consequência mais visível é a nova lógica de apuração: a receita bruta tende a “diminuir” porque deixa de carregar os tributos por dentro, enquanto a carga tributária passa a aparecer no balanço. A partir de 2027, esse efeito pode mexer não só com indicadores de top line, mas também com bases de cálculo que usam a receita bruta como parâmetro, como no Lucro Presumido. Em análises históricas, será necessário ajustar séries e, quando possível, reconstruir números pro forma para evitar conclusões enviesadas.

Do lado dos gastos, a não-cumulatividade ganha protagonismo: custos e despesas operacionais devem ser apresentados líquidos dos créditos de CBS e IBS. O efeito ótico é de redução de despesas, com impacto direto em margens operacionais e métricas de eficiência. Comparações sem ajustes podem sugerir ganhos de produtividade que, na prática, refletem sobretudo a mudança de apresentação contábil — e não necessariamente uma transformação econômica do negócio.

O impacto chega ainda à DFC e à estrutura de capital, especialmente se houver adoção de mecanismos como o split payment.

Ana Lídia Cunha

No ativo não circulante, a virada também é relevante. Tributos que antes compunham o custo de ativos — como, em certos casos, o IPI — passam a se materializar como créditos de CBS/IBS no ativo circulante. Esse redesenho tende a reduzir o valor contábil do imobilizado e a realocar parte do “investimento” para créditos recuperáveis, afetando indicadores como ROA, giro do ativo e a própria dinâmica da depreciação. Com ativos mais “baratos”, a despesa de depreciação diminui, o que pode inflar EBITDA sem mudança operacional equivalente.

O impacto chega ainda à DFC e à estrutura de capital, especialmente se houver adoção de mecanismos como o split payment. Nessa hipótese, a retenção na fonte dos tributos comprime o montante que efetivamente entra no caixa, e o fluxo operacional passa a refletir recebimentos líquidos de impostos. Em paralelo, a necessidade de carregar passivos tributários tende a cair, alterando a leitura de solvência e alavancagem. Novamente, a mensagem-chave é consistência: análises que misturam períodos com e sem essas práticas precisam de notas explicativas robustas e ajustes metodológicos.

Por fim, há um alerta de curto prazo para capital de giro. Nos primeiros meses da CBS (a partir de 2027), o crédito fica condicionado ao pagamento do tributo pelo fornecedor, o que pode elevar desembolsos — por exemplo, em fevereiro de 2027 — e pressionar o caixa. Empresas que hoje monetizam créditos de PIS/Cofins em 2 a 4 meses podem enfrentar desequilíbrios com os prazos de ressarcimento previstos na LC 214/2025 (30, 60 ou até 180 dias). Já a entrada gradual do IBS e a dinâmica, em geral mais longa, de recuperação de ICMS tendem a amenizar parte desses efeitos a partir de 2029.

Em síntese: a reforma não muda apenas a carga; ela redesenha a vitrine dos números. Investidores, analistas e gestores terão de recalibrar indicadores, reforçar divulgações e, sobretudo, comparar maçãs com maçãs ao interpretar resultados na transição.